Marta Vanelli ressalta os impactos da Medida Provisória 746, que prevê uma reforma radical no ensino médio brasileiro
Escrito por: Sílvia Medeiros
No dia 22 de setembro, dia em que ocorria uma grande paralisação no país contra o Projeto de Emenda Constitucional 55 – na época ainda em tramitação na Câmara dos Deputados e com número 241 – o governo federal fez a divulgação da Medida Provisória 746, que prevê uma grande reforma no ensino médio da rede pública do país. O dia de anúncio dessa reforma foi exatamente no mesmo dia em que trabalhadores na educação pública de todo o país faziam uma grande paralisação no Brasil.
Em três meses de governo, várias medidas polêmicas já marcaram a trajetória de Temer. Além do projeto que prevê o congelamento dos gastos públicos por 20 anos, o presidente quer colocar em pauta a reforma da previdência e a reforma trabalhista. A cada dia fica mais evidente o que várias lideranças de esquerda frisavam “O golpe é contra os nossos direitos e para implantação de um estado mínimo”.
A reforma do ensino médio faz parte desse plano. Com a retirada da obrigatoriedade de disciplinas importantes como artes, filosofia, sociologia e educação física a medida provisória, que precisa ser votada com urgência pelo Congresso, pretende mudar toda a lógica do ensino médio do país.
Marta Vanelli, professora da rede pública estadual de Santa Catarina e Secretaria Geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE, explica que por trás de um projeto que reformula o Ensino Médio, está a intenção de privatização de uma importante etapa da educação brasileira. Para Marta, a forma de barrar essa atrocidade do governo federal são as mobilizações dos trabalhadores e o fortalecimento das ocupações feitas pelos estudantes.
Confira a entrevista especial com Marta Vanelli, a posição da CNTE sobre a MP e a organização para enfretamento desse projeto.
Qual avaliação da CNTE sobre essa MP da Reforma do Ensino Médio?
Marta Vanelli – Nós entendemos que o movimento educacional brasileiro, nos últimos 10, 12, 15 anos debateu profundamente a escola do nosso país. Através de conferências de educação, conferências municipais, estaduais e nacional em 2009 e 2010 e através da segunda conferência nacional em 2013 e 2014.
Tivemos um Plano Nacional de Educação – PNE durante três anos e meio tramitando no Congresso Nacional e ninguém, nesse processo de debate apresentou uma proposta tão ousada de mudança do ensino médio do nosso país. É óbvio que a gente discutia que é preciso melhorar o ensino médio, do jeito que ele está ele não serve para os nossos jovens. Mas também não poderia ser de uma forma tão drástica como esse governo apresentou agora.
Hoje, o nosso ensino médio de educação brasileiro é um ensino médio de educação geral. Entendemos que o adolescente de 15 a 17 anos precisa de todos os conhecimentos de todas as áreas, pra poder formar seu próprio caráter, porque ainda é um jovem em formação. Então é preciso dar formação geral. Esta proposta do governo transforma todo o ensino médio em formação profissional, ele quer preparar o nosso jovem de 15 a 17 anos somente para o mercado de trabalho. E hoje, como ele é de formação geral, não impede que o nosso adolescente curse o ensino médio de formação geral e também faça um curso técnico profissional. Hoje, ele pode fazer isso, inclusive tem duas formas de fazer: ou ele faz depois de ter concluído o ensino médio ou ele faz concomitante ao cursar o ensino médio e fazer um curso técnico profissional. Também pode ser de forma conjugada, de forma articulada, fazer o ensino médio integrado ao ensino profissional. Existem algumas escolas do nosso estado que fazem isso, porque entendemos que o nosso adolescente pode ser preparado para o mercado de trabalho, mas não só se preparar para o mercado de trabalho.
O segundo elemento dessa proposta, ele é todo de forma integral, significa sete horas de estudo por dia, até aí tudo bem, quem não quer uma escola em tempo integral, quem não quer que o seu filho, a nossa criança, o nosso jovem, que o nosso adolescente fique na escola sete horas por dia? Todo mundo quer. O problema é: e o nosso jovem trabalhador que só estuda a noite? Ele vai ter que largar a escola, vai ter que largar seus estudos porque ele não consegue ficar sete horas. Pra quem está empregado, entre trabalhar e estudar, ele vai preferir ficar trabalhando. Até por que sua renda hoje já serve pra ajudar a própria renda familiar.
Um outro elemento dessa proposta que nos deixa muito preocupados. Enquanto com conteúdos obrigatórios, ele vai ser das 4.200 horas, por que escola em tempo integral são 4200 horas, durante 3 anos. Ele vai ter 1200 horas obrigatórias de formação geral e 3000 de formação profissional. Qual é o problema nisso? Problema que o estado brasileiro não garante essa formação profissional. Ele não garante que tenha laboratório na escola, por que a formação profissional ela é muito cara, ela exige laboratório de prática . Ele precisa ter um professor, para ele poder praticar a profissão que ele vai exercer e esses laboratórios são muito caros. Então o que o estado vai fazer? Vai terceirizar esse período. Então a maioria das horas de uma escola pública e gratuita de ensino médio o governo do estado pode contratar escolas particulares pra essa formação técnica na sua região, no seu município ou pode simplesmente dizer “Olha nós vamos somente dar as horas obrigatórias e as outras você vai buscar no mercado se você tiver dinheiro ou não”. Então essa reforma do ensino médio é a porta da privatização do ensino médio brasileiro. Não garante mais que o ensino médio do nosso país seja público e gratuito do jeito que é hoje. O estado brasileiro não garante a parte técnica profissional, portanto dos três anos de curso. O primeiro ano é obrigatório, o estado pode permitir ter aula de matemática, de português, de história, de geografia, de física, de química, de biologia. A partir do segundo ano ele só vai ser obrigatório o português e a matemática. E todas as demais disciplinas serão do curso técnico e profissional. E é isso que o estado não vai oferecer e é esse que o estado ou busca instituição fora ou vai dizer para o pai “nós não temos como oferecer, então você busca no mercado”.
Por isso que essa proposta, essa medida provisória tem tanta resistência em ser aceita por toda a comunidade educacional brasileira, por isso que muitos estudantes estão ocupando escolas em todo o país, contra essa MP. Que na verdade é ela que vai acabar, que vai destruir o nosso ensino médio brasileiro. E é óbvio que o nosso ensino médio brasileiro, ele não é o ideal. Por isso que nós lutamos que tem que equipar melhor as escolas, tem que melhorar a formação e a valorização dos professores, que aí você consegue melhorar a educação, especialmente o ensino médio. E não é dessa forma destruindo ou o estado privatizar grande parte da matriz curricular do ensino médio que vai melhorar o nível de ensino.
A PEC 241 (atual PEC 55) junto com a Reforma do Ensino Médio seguem uma sequência lógica?
Marta Vanelli – Ela é a materialização do que significa a PEC 241 na área da educação, não temos dúvida disso. Na 241 ele desvincula o dinheiro da educação e da saúde e de outras políticas públicas e na MP ele vai dizer o seguinte “Eu não tenho o dinheiro para manter toda a educação básica como pública, portanto o ensino médio foi escolhido para ser privatizado. Ele vai entregar o ensino médio para a iniciativa privada, por que também no nosso país, criou-se a educação uma importância grande. Não só para o aluno, mas também, para o pai. E aí tem grandes empresas na área da educação que querem esse filé mignon da educação, por que na educação básica 87% dos estudantes estão na escola pública, 13% estão na iniciativa privada. Essas empresas que querem lucrar com a educação, elas querem pegar esse filé mignon que é o nosso ensino médio brasileiro, por que o pai quer que seu filho pelo menos conclua o ensino médio. Se faz um curso técnico profissional ou se vai pra universidade é outra etapa, mas o mínimo que um pai quer para o seu filho é que ele termine o ensino médio. E aí o governo federal até hoje, até este ano, está garantido como público e gratuito, mas a partir do ano que vem não garante mais.
Só para complementar, tem um Projeto de Lei na Câmara dos deputados que está há quatro anos discutindo a reforma do ensino médio e não teve nenhum consenso até hoje, quatro anos de debate, PL 6840, que ainda não teve consenso entre os deputados. Por isso que nós questionamos desde o primeiro momento, por que Medida Provisória se tem um Projeto de Lei que está tramitando quatro anos que precisa voltar a fazer o debate? Pode tirar da gaveta, mas tem que fazer o debate com tempo hábil com todos os envolvidos. Tem que chamar os pais, chamar estudantes, tem que chamar as universidades, tem muita entidade científica, tem que chamar os profissionais da educação, quem de fato faz o dia a dia da educação brasileira.
Como a CNTE vê as Ocupações das escolas pelos estudantes que são contra a medida provisória e contra a PEC 241?
O que é novo são as ocupações, novo e de mais revolucionário que existe são as ocupações dos estudantes que de fato começou no Paraná com os nossos sindicatos do Paraná na preparação da sua greve dos trabalhadores da educação e agora tem em vários estados brasileiros.
A ocupação é do nosso estudante, mas ele está lá, por que o pai e a mãe estão apoiando que ele faça isso. Portanto não envolve só o estudante, é ele e a sua família. Eu acho que é isso que a gente precisa ver nesse processo de resistência, não apenas uma pessoa sozinha, mas sim toda a família saber da importância e da necessidade dessas ocupações nas escolas.
Qual a posição da CNTE de enfrentamento dessa reforma do ensino médio. Vai sentar para debater com o atual governo?
Nós não autorizamos nenhum deputado, nenhum senador a entrar com emenda a esse projeto em nosso nome. Nós entendemos que ele é todo ruim, não dá pra gente emendar absolutamente nada nessa proposta. Não vai ter tempo de fazer o debate, por isso que o melhor é retirar a medida provisória e vamos estabelecer um processo de debate de como que nós vamos melhorar o ensino médio brasileiro, também o ensino fundamental e educação infantil em todo o país.
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