ESPECIAL MARÇO – 1º Bate Papo com Marta Heinzelmann

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MARTA REGINA HEINZELMANN, presidente do SINPRONORTE, joinvilense, 65 anos, professora aposentada, Licenciada em História pela FURJ/UNIVILLE. Mestre em Educação e Cultura pela UDESC.

Manifestação “ELE NÃO”, 2018.

SINPRONORTE – Marta, o que te levou a cursar História? Alguma influência da infância ou adolescência?

MARTA – O gosto pela História veio do meu pai, Werner, que lia muito e gostava de conversar. Viajávamos em todas as férias, tanto em janeiro como em julho, preferencialmente acampando com barracas. E também de um professor de História, na 3ª série do ginásio, o ‘fessor Otto. Me apaixonei pelos egípcios e suas pirâmides, em primeiro lugar. Já na graduação, veio a paixão pela Arqueologia e Antropologia, os sambaquis, a desafiadora residência indígena e as peripécias envolvendo toda a riqueza das culturas humanas.

SINPRONORTE – Licenciatura em História e Mestrado em Educação e Cultura. Como foi a experiência feminista neste processo de formação? Havia mulheres na formação e como professoras no curso? Como foi ser uma mulher acadêmica e professora nas décadas de 1970 e 1980?

MARTADurante a graduação, de 1974 a 1977, o que chamava a atenção e ocupava nossas mentes era a questão da ditadura e da censura. Filha de alemães tradicionais, avessos à política, tinha sido “poupada” destas discussões no ambiente familiar. Tanto é que em 1974, meu primeiro voto foi nos candidatos do panfleto que meu pai trouxe: um conhecido da “firma” onde ele trabalhava. Da ARENA, é claro. Mas, com todo o controle existente, mesmo numa cidade pequena como Joinville, as pessoas foram se encontrando pelos corredores e… Não lembro de conversas sobre direitos das mulheres e, sim, o direito de livre expressão, as prisões, as torturas, o exílio, a anistia… As informações sobre grupos clandestinos de resistência eram sussurradas… O informativo PANE (de pão que alimenta o corpo e o espírito), resultado do encontro de estudantes de História, Letras e Ciências Contábeis, produziu alguns momentos únicos naqueles tenebrosos anos… Eu fui a primeira e única mulher, durante a maior parte de sua existência. Das professoras na graduação, marcou a figura singular da antropóloga Anamaria Beck, da UFSC, também diretora do Museu de Antropologia. Defensora contumaz das comunidades indígenas, ela me apresentou ao grotesco mundo do conflito entre índios e brancos em Santa Catarina. Creio que ela ascendeu a chama do respeito à diversidade cultural. No segundo ano, o Prof. Idaleto Malvezzi Aued nos apresentou “Os Conceitos Elementais do Materialismo Histórico”, quando aí sim, começaram a aflorar as contradições das sociedades humanas, a partir da exploração do capital sobre o trabalho. Também deste tempo, foi o movimento nacional pela volta dos exilados políticos, que teve em Joinville, uma curtíssima tentativa de criação do Comitê Feminino pró Anistia… mas era pesado demais e as 4 mulheres que inicialmente tiveram interesse logo se desarticularam. Eu estava entre as 4, é claro…

SINPRONORTE – Poderia contar um pouco da tua experiência como professora? Iniciou a carreira diretamente na faculdade? E a experiência acadêmica?

MARTA – Sou normalista, o que significa que fiz o curso secundário para ser professora das séries iniciais. Em 1973 fiz meu estágio na APAE e em seguida, fui professora auxiliar e titular de Jardim de Infância. Durante a graduação, trabalhei com as séries iniciais, mas nunca com alfabetização. Sempre achei essa tarefa fora do meu alcance… muita responsabilidade, e não me sentia capaz. A maior parte da minha carreira foi no Ensino Médio e na Graduação. Como ACT no magistério estadual, duas semanas depois de assumir uma substituição, em 1983, estourou uma greve e eu aderi – é claro. Terminada a substituição, apesar de a professora continuar afastada, não consegui renovar o contrato. Ter posição, tem preço! Para a Univille, voltei como professora em 1991, como titular na cadeira de Pré-História, da qual já tinha sido monitora em 1978, assim que concluí a graduação. Aí, mergulhei de cabeça na formação de professores, e permaneci até me aposentar, em 2015. Também tive experiências riquíssimas na pesquisa e na extensão. O que mais me impactou foi quando implantamos o NPI – Núcleo Pedagógico Integrador, que reunia alunos de todas as licenciaturas em 2 matérias comuns a cada ano. As primeiras aulas do ano eram de estranhamento, com grupos claramente percebíveis. Algumas atividades de integração, acabaram por derrubar os muros construídos pela necessária identidade como professor de história, de geografia, de educação física… Essas disciplinas passaram a focar no professor formado pela Univille. Considerei esse período de intensa elaboração e desafios cotidianos.

Jardim de Infância, 1975.

SINPRONORTE – Algumas inspirações na licenciatura? E na vida política?

MARTA – Várias figuras, mulheres e homens, marcaram minha trajetória como professora. Márcia Romana, que me indicou para substituir a “Filó”, no Tuffi Dippe, em 1983, me fez ver que era possível trabalhar aqueles conteúdos de EMC e OSPB com alguma liberdade… No CIS, hoje CEDUP, onde trabalhei de 1984 a 1991, a supervisora Clarinda me chamou a atenção: negra, tímida, resistia do seu jeito num ambiente preponderantemente masculino e branco. De voz baixa, insistia em destacar a pedagogia acima da tecnologia, numa escola voltada basicamente a formar trabalhadores para as fábricas de Joinville. Ali também conheci o professor Carlito, que me apresentou em detalhes, as formas de coerção e de controle sobre os trabalhadores e com quem organizamos as primeiras greves da FESC/UDESC. Já no primeiro ano de Univille (1991), uma aluna se destacou. Franzina e tímida, Sirlei de Souza me apresentou a Pastoral Operária, a Teologia da Libertação e sua dinâmica de ação e reflexão sobre a sociedade contemporânea. Fez carreira acadêmica e chegou a ser Pró-Reitora de Ensino da universidade. Nossas vidas também se cruzaram na militância partidária e no movimento de mulheres na década de 1990. Já as oportunidades de pesquisa e extensão me levaram a estreitar laços com Sandra Guedes, Raquel S’Thiago e Cristina Ortiga. A cada uma delas devo um pouquinho do que sou hoje!

SINPRONORTE – A experiência como gestora, não inicia pela presidência do SINPRONORTE. Onde começou? Qual é a sensação de estar no poder?

MARTA – Começou no antigo CIS (Centro Interescolar de Segundo Grau, hoje CEDUP), quando participei do primeiro processo eleitoral para direção da escola, em 1986. Até então, as escolas tinham suas direções indicadas. Lembre que até 1985 ainda tínhamos um general-presidente governando o país… Enfim, a direção do CIS era composta por Direção Geral, Administrativa e de Ensino. Eu fui a primeira Diretora de Ensino eleita da história do CIS Dário Geraldo Salles! Neste período senti na pele, pela primeira vez, como se dão os interesses no entorno do poder… Alguns se aproximaram e outros simplesmente deixaram de falar comigo… Foi um duro aprendizado… Já na Univille, também por eleição, fui Chefe do Departamento de História, por dois mandatos, de 2005 a 2008. Ali aprendi a ouvir e a compor, apesar das diferenças de pensamento. O que não foi suficiente para o que viria logo em seguida: a chefia do gabinete do prefeito Carlito Merss! Nem o compromisso político com a melhoria da vida das pessoas foi mais forte do que a saúde e me obriguei ao afastamento da função, um ano e pouco depois. Quase imperceptivelmente, me vi envolvida das atividades sindicais, retomando lembranças Da década de 1980, quando a APJ (Associação de Professores de Joinville) e a ALISC (Associação dos Licenciados de Santa Catarina) resultaram na fundação do SINTE (Sindicato dos Trabalhadores em Educação). Filiada ao SINPRONORTE pela Univille, permaneci vinculada depois da aposentadoria e fui do Conselho Fiscal na gestão anterior. Participei com vontade de todas as atividades possíveis, imaginando ir para a Executiva no próximo mandato… e acabei na presidência! Hoje tenho claro que as oportunidades na vida são como “um cavalo que passa encilhado na nossa frente”. Podemos escolher montar ou deixá-lo passar. Pois bem, aqui estou, tendo a oportunidade de aprender ainda mais com esse grande desafio. Conto com meus companheiros e companheiras para sobrevivermos com dignidade a estes turbulentos tempos neoliberais e excludentes.

Iº Encontro de Mulheres Petistas, 1993.

SINPRONORTE – O que é ser mulher, hoje? Como você vê a mulher na sociedade?

MARTA Às vezes, parece que avançamos, mas olhando as últimas décadas na história do Brasil, a impressão é que ainda precisamos afirmar todos os dias, que somos capazes, que temos estrutura emocional e estofo profissional para estar onde queremos estar. A mulher ainda tem duas ou três jornadas de trabalho, pois além da profissão, a educação dos filhos e o cuidado com a casa, o pagamento das contas, as compras, tudo isso ainda parece ser só sua tarefa na maioria das relações… A mulher sofre assédio do(a) chefe ou do companheiro, A mulher morre porque quer ser ela… Enfim, eu me fiz mulher num tempo que em que a independência financeira era uma questão prioritária. Poder político está ligado ao poder econômico. Portanto, minha vida foi assim: trabalhando, casando, tendo filhos, militando, separando, “tudo jundo, ao mesmo tempo”. Pouco acompanhei do crescimento dos meus dois filhos, Maíra e Guilherme, que foram bem cuidados e educados pelo CERI (Centro de Educação e Recreação Infantil, da Prefeitura de Joinville. Mas espero ter mais tempo para curtir Maria Antonella, minha neta. Descobri, bem depois dos 50 anos, que existe vida privada. E não quero perder esse foco, mesmo que possa parecer conservador e contraditório com a tarefa que exerço. Tudo bem em ser contraditória… Para mim, o grande “pulo do gato” hoje é o equilíbrio entre todos esses afazeres, tarefas e desejos…

SINPRONORTE – Uma mulher que te inspira?

MARTAToda aquela que não desiste. Que cai e levanta. Que acredita em si mesma. E eu a encontro na cozinha de uma escola, buscando fazer o melhor lanche para as crianças. Também na zeladora que limpa com afinco o banheiro que logo as crianças vão bagunçar, voltando da aula de Educação Física. E muito na professora que busca continuamente novas formas de encantar seus alunos pelo conhecimento, como ela mesma um dia foi encantada por alguém… E é com muito prazer que acompanho as postagens de ex-alunas da graduação, também desafiadas pelo cotidiano da sala de aula. Secretamente, espero ter contribuído com a garra que demonstram ter.

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